Nova Lei Anti-Drogas

A admoestação ao usuário de drogas e a descriminalização da conduta de uso, ante a Nova Lei Anti-Drogas

RESUMO

O presente artigo científico visa analisar a questão da descriminalização da conduta do uso de substância entorpecente, à luz da Lei n.º 11.343/06, a qual alterou a pena aplicada à espécie, à advertência pelo juiz ao usuário sobre os riscos de utilização das substâncias proscritas. Assim, nota-se que o aspecto educativo da nova lei gerou uma celeuma no mundo jurídico, sendo que, para parte da doutrina o novo tipo penal teria descriminalizado a conduta e para outra parte da mesma apenas alterou o tipo de pena aplicável, não descriminalizando a conduta. Portanto, no presente artigo analisará os aspectos jurídicos da questão, visando concluir se houve ou não a descriminalização da conduta do uso de substância entorpecente.

Palavras-Chave: Uso de Substância Entorpecente. Lei n.º 11.343/06. Descriminalização. Gama Filho.

1. INTRODUÇÃO

A questão da admoestação e a descriminalização da conduta do uso, ante a nova lei antidroga, desde a edição da Lei n.º 11.343/06 gerou um profundo debate doutrinário a cerca da natureza jurídica do novo tipo penal, tendo-se em vista que, até àquele momento, no Brasil, não se conhecia um preceito jurídico secundário que atribuisse como pena a admoestação verbal do criminoso pelo juiz.

Assim, o presente artigo científico pretende analisar as diversas e balizadas posições doutrinárias, buscando-se concluir se houve ou não a descriminalização da conduta de uso de substâncias proscritas pelo ordenamento jurídico.

Nesse contexto, analisar-se-á, a toxicomania e suas consequências psicológicas e físicas, isso porque, tal aspecto foi muito importante para o legislador alterar o preceito penal primário e secundário do art. 28 da Lei n.º 11.343/06.

Por conseguinte, demonstrar-se-á, os conceitos doutrinários e legais do que seja uso de substâncias entorpecentes e as mais modernas decisões jurisprudências dos Tribunais Superiores na espécie.

Ainda, caberá uma discussão sobre os tipos penais existentes no Brasil a fim de concluir-se se a admoestação poderia ser considerada uma delas, um novo tipo de pena introduzido no sistema jurídico brasileiro ou mesmo a descriminalização da conduta.

Pelo exposto, visa concluir, por meio de análise legal, doutrinária e jurisprudencial a atual situação do usuário de sustâncias entorpecentes no Brasil, frente à nova lei penal.

2. CONCEITO DE DROGAS

Droga é toda e qualquer substância, mesmo natural ou sintética que, introduzida no organismo modifica suas funções. As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais., por exemplo a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetrahidrocanabiol (da cannabis). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais. O termo droga, presta-se a várias interpretações, mas ao senso comum é uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento.

As drogas estão classificadas em três categorias: as estimulantes, os depressores e os perturbadores das atividades mentais. O termo droga envolve os analgésicos, estimulantes, alucinógenos, tranquilizantes e barbitúricos, além do álcool e substâncias voláteis. As psicotrópicas, são as drogas que tem tropismo e afetam o Sistema Nervoso Central, modificando as atividades psíquicas e o comportamento. Essas drogas podem ser absorvidas de várias formas: por injecção, por inalação, via oral, injeção intravenosa ou aplicadas via rectal (supositório).

A Lei nº. 11.343/2006 ao definir o que seja droga, no seu artigo 1º, parágrafo único, traz um conceito genérico, qual seja: “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

A nova norma, manteve a característica de norma penal em branco, nos moldes da legislação anterior. Dessa forma, não definem o que deve ser considerada “droga”, limitando-se a preceituar o que serão consideradas como tal. A definição de drogas permanece sob o crivo do Ministério da Saúde, que por meio de portarias expedidas por seus órgãos competentes, publica periodicamente várias listas, especificando as substâncias que devem ser consideradas drogas ilícitas. Atualmente, permanecem em vigor as listas constantes na Portaria SVS/MS nº. 344, de 12 de maio de 1998, conforme expressa disposição do art. 66 da lei.

A nova legislação passa a usar uma terminologia diversa da que era usada pelas suas antecessoras, as Leis 6.368/76 e 10.409/2002; substituindo a antiga terminologia, “entorpecente”, pela atual nomenclatura “droga”.

Há muita discussão acerca das definições e diferenças do que vêm a ser drogas, entorpecentes, substâncias pscicotrópicas e tóxicos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) faz constantemente publicações visando unificar os conceitos e terminologias que envolvem o tema.

O termo “entorpecente” refere-se, em farmacologia, trata dos psicotrópicos, principalmente dos opiáceos, ao contrário, a denominação “droga” é considerada mais abrangente por referir-se a toda e qualquer substância que produz alterações nos sentidos.

3. ASPECTOS GERAIS DAS TOXICOMANIAS

Sistematicamente, a fim de compreender a finalidade da nova legislação pátria, ao modificar a penalidade aplicada ao usuário de substâncias entorpecentes, faz se necessário compreender as toxicomanias: sua natureza e origens.

O termo “toxicomania”, vem do grego, toxikon, que significa veneno e ainda, mania ou loucura; faz referência ao consumo excessivo e repetido de determinado objeto, quer sejam substâncias psicoativas (como analgésicos e psicotrópicos) ou não. É um termo que detem certa similitude com dependência química, farmacodependência, adicção, embora detenha algumas diferenças importantes a se ressaltar: é um termo utilizado mais pela psiquiatria, psicologia e psicanálise européia (especialmente na França) que em países de lingua inglesa (tal diferença não é apenas terminologica, mas conceitual, como veremos); o foco não esta apenas no objeto de consumo (esta é uma das principais diferenças conceituais entre toxicomania e dependência química), em suas características reais, mas principalmente na relação que cada sujeito estabelece com este objeto e que função este tem para aquele.

Por outro lado, segundo André Malbergier, “a dependência química é uma síndrome caracterizada pela perda do controle do uso de determinada substância psicoativa. Os agentes psicoativos atuam sobre o sistema nervoso central, provocando sintomas psíquicos e estimulando o consumo repetido dessa substância”. Alguns exemplos são o álcool, as drogas ilícitas e a nicotina. Considerada uma doença, a dependência química apresenta os seguintes sintomas:

1. Tolerância: necessidade de aumento da dose para se obter o mesmo efeito;

2. Crises de abstinência: ansiedade, irritabilidade, insônia ou tremor quando a dosagem é reduzida ou o consumo é suspenso;

3. Ingestão em maiores quantidades ou por maior período do que o desejado pelo indivíduo;

4. Desejo persistente ou tentativas fracassadas de diminuir ou controlar o uso da substância;

5 .Perda de boa parte do tempo com atividades para obtenção e consumo da substância ou recuperação de seus efeitos;

6. Negligência com relação a atividades sociais, ocupacionais e recreativas em benefício da droga;

7. Persistência na utilização da substância, apesar de problemas físicos e/ou psíquicos decorrentes do uso.

Assim, verifica-se que o termo “toxicomania” é mais abrangente que o termo “dependência química”, o qual conforme observa-se é uma manifestação do primeiro. Segundo Rodrigo Silveira da Rosa, “toxicomania tem como característica a vontade ou necessidade do uso ou a procura por todos os meios da droga. Assim, uma tendência ao aumento da dose, concomitante dependência de seus efeitos.”

O referido autor, citando Carmen Silvia Có Freitas, faz uma revisão histórica:

“Até a 2ª. Guerra o dependente a drogas e efeito psicotrópico era visto como um viciado, caracterizado por uma conduta compulsiva, uma maneira incontrolada de ser, era um proscrito social.

No pós-guerra (pobreza, condições sociais) o dependente recebia um enfoque de delinqüente, o que violava as leis (toxicômano e adicto – termos com significação marginalizante). Este enfoque foi até mais ou menos 1955-1960.

A partir daí, a OMS começou a enfocar o dependente com um enfermo e a dependência a drogas com uma patologia.

Atualmente não se faz muita diferença entre os termos “drogadição”, farmacodependência e toxicomania que é definida como um estado de intoxicação periódica ou crônica, nocivo para o indivíduo e para a sociedade, produzida pelo uso repetido de uma droga.

Vicente Greco Filho, aludido por Rodrigo Silveira da Rosa, ensinava que a toxicomania deveria atingir certo grau de periculosidade individual e social, conforme os seguintes fatores:

“a) elevado teor de influência sobre o sistema nervoso central, de modo que pequenas doses da droga bastem para produzir profunda modificação no seu equilíbrio e levem a instaurar-se rapidamente a dependência de fundo orgânico ou simplesmente psicológico;

b) importância das perturbações físicas ou psíquicas que se originam do seu reiterado consumo, assim lesando gravemente as pessoas que a utilizam e, por via de conseqüência, produzindo dano social.

Acerca do tema, Ruth Maria Chittó Gauer faz as seguintes constatações:

“O toxicômano é visto como um dos fatores de anormalidade, de perda de humanidade, eles, portanto, são antissociais que anulam a sociedade, são remetidos a categoria de perigoso, de sujo, de doente, etc. [...] O que se constata é que os grupos que se utilizam do uso de drogas constroem uma identidade contrastiva que se dá através de um processo de apoio do subgrupo “desviante”. Porém não se pode partir do pressuposto que um elevado índice de toxicomania produzem por si só a “anomalia” social. Podemos concluir que há sociedades com toxicomania alta e com baixo índice de anomia, que há sociedades com toxicomania alta e com alto índice de anomia, que há sociedades com baixo índice de toxicomania e baixa anomia, e, que há sociedades com baixo índice de toxicomania e alto índice de anomia.

Segundo Edevaldo Alves da Silva, a toxicomania possui características próprias, a saber:

“a) o indivíduo toxicômano, sente pela droga um irresistível desejo causado pela falta do tóxico, que o obriga a continuar a usar essas substâncias e procurá-las por todos os meios;

b) o indivíduo sente uma tendência contínua a aumentar a dose das drogas, a cada período de ingestão;

c) o indivíduo passa a sofrer uma dependência psíquica (psicológica) e às vezes até propriamente física, acerca dos efeitos que a droga produz em seu organismo, já então viciado ao uso.

Rodrigo Silveira da Rosa afirma que “ a toxicomania nasce de um conflito psicológico não resolvido de inadaptação social, assim sendo, chamado de primário, quando resolvido, representa a superação do problema e a permanência na normalidade. Entretanto, quando não resolvido, incidem-se as circunstâncias desencadeantes, da qual geram neurose com manifestações de autogratificação ou autopunição. Desta forma, como conseqüência, temos a prática de delitos para o desafogo da neurose, o uso de tóxicos ou toxicofilia, e a automortificação pelo padecimento de doença psicossomática, como certas formas de asma, úlceras do estômago, dermatoses, artrites, colites, todas de fundo somático.”

E continua afirmando que: “na fase secundária, a toxicofilia, que é o simples uso, abate o ego, destrói os valores da convivência e projeta o viciado a uma nova classe conflitual, na qual o dependente perde a condição de trabalhar, enfraquece fisicamente, sente-se vencido e marginalizado.”

A toxicomania é um aspecto particular, em regra, um sintoma, de um distúrbio ao mesmo tempo mais intenso e mais complexo de personalidade e de conduta. O dependente de drogas tem a responsabilidade muitas vezes atenuada, em virtude de sua natureza comportamental compulsiva encorpada com o manto da fragilidade, resultado de uma relação com o mercado da dependência que constitui o cerne da questão.

Seguindo a linha, Salo de Carvalho leciona da seguinte maneira:

“Entre os consumidores a principal conseqüência da criminalização é o que se poderia denominar de junkyzação, isto é, a estigmatização do usuário com a sua identificação em (sub)culturas criminais, processo que, a partir de sua amplificação pelos meios de comunicação de massa, produz palpável reação social informal [...] o sujeito envolvido com as drogas, por força da política proibicionista, ingressa no vicioso círculo da clandestinação, fato que, em caso de dependência, inviabiliza seu acesso aos sistemas de assistência médica e social.

Na verdade, o toxicômano é reflexo de várias causas, ou seja, aspectos que se ligam, tais como: substância, contexto sociocultural e econômico e a personalidade do usuário.

Quanto ao aspecto da psicopatologia da toxicomania e vivência do toxicômano, o psicanalista Richard Bucher explica que:

“A toxicomania, antes de ser um problema psicopatológico, constitui uma questão antropológica e ética. Enquanto fenômeno universalmente humano, o consumo de drogas ultrapassa as esferas da medicina e da psicopatologia; ele é propriamente antropológico, no sentido de acompanhar toda a evolução histórica da humanidade, a ponto de não existir sociedade que não tenha a “sua” droga.

4. A Constituição de 1988 e as drogas

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a lei fundamental e suprema do Brasil, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo da pirâmide normativa.

Independentemente das controvérsias de cunho político, a Constituição Federal de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetivade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos.

Para demonstrar a mudança que estava havendo no sistema governamental brasileiro, que saíra de um regime autoritário recentemente, a Carta Magna de 1988 qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional, criando assim dispositivos constitucionais para bloquear golpes de quaisquer natureza.

Com o processo de redemocratização, a política criminal instaurou um novo pensar, principalmente com a Assembléia Nacional Constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988. O desejo de ruptura com as políticas autoritárias dos Governos Militares produziram a formalização no combate às drogas, causando perplexidade aos críticos da política beligerante que viam a Constituição como freio, e não potencializador, da violência planejada.

Como bem ensina Salo de Carvalho:

“O texto constitucional não apenas adquire função restritiva (negativa), característica precípua das normas constitucionais penais liberais, mas potencializa a incidência do penal/carcerário. Este paradoxo – coexistência de normas garantidoras e normas autoritárias em estatutos com clara vocação humanista (Constituições e Tratados Internacionais) – reflete o cenário jurídico-político nacional desde 1988. O processo de elaboração constitucional não apenas fixou limites ao poder repressivo; mas, de forma inédita, projetou sistema criminalizador, conformando o que se pode denominar Constituição Penal dirigente, dada a produção de normas penais programática. Desta forma, a Constituição recepcionou anseios punitivos colocando em xeque seus próprios princípios de contenção da violência punitiva. Tem-se, desta forma, na história recente do constitucionalismo nacional, a formação de núcleo constitucional-penal dirigente, plenamente realizado pelo legislador ordinário, cujo efeito é edificar Estado Penal como alternativa ao inexistente Estado Social.

Nossa Carta Magna, encorpada com a democracia e à luz das garantias, deve ser entendida como respeitadora das diferenças e particularidades de cada pessoa. Decorre daí, uma especial importância à liberdade da pessoa e, conseqüentemente, o respeito ao direito à privacidade. Sendo assim, a lei penal deve ser entendida não como limite da liberdade pessoal, mas como seu garante.

O Estado não pode criar figuras que venham a agredir a essência da pessoa, suas liberdades, ou seja, sua dignidade. Nesse contexto, a Lei nº. 6.368/76 não apresentava compatibilidade com a Constituição, seja em termos de constitucionalidade, seja sob o ângulo do direito intertemporal.

Por conseguinte, havia um conflito de normas, entre a constitucional que protegia à privacidade, com a relacionada no artigo 16 da Lei velha, que feria este direito fundamental sob a justificativa de estar protegendo outro bem jurídico, qual seja, a saúde pública.

Assim sendo, o fundamento da penalização do usuário de drogas, não encontrava embasamento nos princípios e normas constitucionais. Desta forma, o direito fundamental à liberdade é flagrante, analisado perante o Estado Democrático de Direito, onde a democracia significa respeito às diferenças.

A Lei ancestral, ao tratar do usuário, elencava a proteção do bem jurídico saúde pública em detrimento do direito fundamental à privacidade. Isso confrontava o ordenamento jurídico, pois não havia a compatibilidade da norma infraconstitucional com a Constituição.

Conclui-se, assim, conforme Arlete Hartmann, que: “o Direito não pode interferir na esfera da vida privada das pessoas, a menos que estas provoquem um dano concreto e direto a terceiros, independentemente dos danos que estas condutas possam causar ao usuário de drogas”.

5. DA POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO

Usuário de drogas é, conforme o artigo 28 da lei, quem: “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Conforme o parágrafo 2º do artigo, o juiz para determinar se a droga destinava ao consumo: “atenderá à natureza e à quantidade de substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.

A objetividade jurídica é a saúde pública. A razão da punição daquele que traz consigo, adquire, guarda, transporta ou tem em depósito para uso próprio, é a ameaça que seu comportamento representa para a sociedade.

Os núcleos do tipo são adquirir, guardar, trazer consigo, transportar e depositar. As condutas exigem o uso próprio como finalidade exclusiva do agente. Essa finalidade distingue o artigo 28 do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, porquanto este contém, no seu preceito primário, os mesmos três núcleos acima mencionados, dentre outros.

Frisa-se que usar substância entorpecente ou psicotrópica deve ser considerado comportamento atípico. Além do citado verbo (núcleo do tipo) não constar na redação do artigo 28, há a ausência de prova da materialidade da infração em razão da não apreensão da substância consumida pelo usuário. Para a configuração do artigo 28 é imprescindível a apreensão da droga que causa dependência e o seu exame, para verificar a presença do princípio ativo da substância.

Hoje, na esfera mundial, existem quatro tendências de políticas criminais relacionadas com as drogas.

A primeira é o modelo norte-americano que prega a abstinência e a tolerância zero, constituem um problema policial e individualmente militar, adotam o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas. A segunda tendência é o modelo liberal radical, ou seja, liberalização total. A droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, enfatizando que somente estes últimos iriam para a cadeia. O terceiro seria o sistema europeu, ou seja, de redução de danos. Desta forma, há a busca gradual da descriminalização das drogas, assim como por uma política de controle educacional, sendo a droga tratada como um problema de saúde pública. A quarta e última tendência é a justiça restaurativa, esta centra sua atenção no tratamento, propondo, assim, uma disseminação dessa forma como a mais adequada para cuidar do usuário ou dependente.

O modelo de Justiça Terapêutica como forma de tratamento, segundo Salo de Carvalho, já mostrava uma perspectiva ”sanitarista na qual o usuário de drogas é visto invariavelmente como doente crônico, reincidente e incurável”.

Luiz Flávio Gomes faz algumas ponderações pertinentes, quando o assunto é criminalização do usuário de drogas:

“Não há outro rumo mais lúcido e racional que descriminalizar as drogas, isto é, retirar do Direito penal algumas condutas, reservando-o para o mínimo necessário. Não se trata de legaliza-las, sim, de controla-las. Vários países nos últimos anos deixaram de punir o porte para consumo de determinadas drogas (Holanda, Portugal pela Lei 30/2000, Suíça, Espanha etc.), preferindo a política de redução de danos (para a sociedade, para o próprio usuário e sua família). [...] Prevenção é a prioridade. O mais sensato e responsável, de tudo quanto se pode extrair das experiências e vivências estrangeiras, consiste na adoção de uma política claramente preventiva em relação às drogas. Educação antes de tudo. E que os pais e professores, dentre tantos outros, assumam sua responsabilidade de orientação e conscientização. [...] A postura da legislação penal brasileira sempre tratou o simples usuário de droga como criminoso.

Raúl Cervini leciona que descriminalização “é sinônimo de retirar formalmente ou de fato do âmbito do Direito Penal, certas condutas, não graves, que deixam de ser delitivas”.

Agora, despenalização significa “o ato de diminuir a pena de um delito sem descriminalizá-lo, quer dizer, sem tirar do fato o caráter de ilícito penal”.

Segundo Luiz Flávio Gomes, a discussão em volta da descriminalização do uso de drogas seria hipótese de abolitio criminis, para tanto, ele se vale do artigo 1º da LICP. Segundo o autor, se crime é a infração penal punida com reclusão ou detenção isto levaria ao seguinte entendimento:

“Não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso País.

Conforme Luiz Flávio Gomes, “a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis [...] porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão”.

Roberto Mendes de Freitas Júnior discorda e traz os seguintes argumentos:

“O Decreto-lei n. 3.914, de 9 de dezembro de 1941 – Lei de Introdução ao Código Penal – jamais poderia se referir às penas restritivas de direitos, vez que estas só foram inseridas na legislação penal após a reforma da parte geral do Código Penal, em 1984. Óbvio, portanto, que em 1941, o legislador não poderia incluir, na definição de crime (art. 1º da LICP), a cominação de pena restritiva de direitos, já que tal pena não existia no direito pátrio.

O art. 28, ademais, está inserido no Capítulo III, do Título III, da Lei n. 11.343/2006, sob a rubrica “Dos crimes e das penas”, tornando inquestionável a intenção do legislador em considerar tal conduta como ilícito penal.

Na mesma linha, Davi André Costa Silva defende que não houve descriminalização, vejamos as suas considerações:

“O argumento pela descriminalização é frágil, pois se funda no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal que apresenta a diferença entre crimes e contravenções, tendo, como único critério diferenciador, as penas.

A LICP não é a única norma legal a prever as penas a serem adotadas no Brasil. O próprio Código Penal, que teve sua parte geral reformada em 1984, apresenta outras penas, além da reclusão, detenção, prisão simples e multa disciplinadas originalmente na LICP. Além das penas privativas de liberdade, há as restritivas de direito, dentre as quais a prestação de serviços à comunidade, exatamente a mesma cominada para os usuários (art. 28, II, e § 6º, II, da Lei 11.343/06).

Ainda que tal argumento não se mostre suficiente, o operador do direito deve se ancorar na Constituição da República (art. 5º, inc. XLVI), que também prevê a prestação social alternativa, ao lado das penas de privação ou restrição da liberdade, da perda de bens, da multa e da suspensão ou interdição de direitos. [...] A natureza jurídica do artigo 28 é de medida despenalizadora mista, eis que o legislador optou por adotar medidas educativas – duas delas afastam por completo a aplicação de pena (advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento a programa ou curso educativo), por isso chamadas de medidas despenalizadoras próprias ou típicas. A terceira é uma medida despenalizadora imprópria ou atípica, pois embora objetive evitar a prisão, impinge ao usuário uma pena restritiva de direitos – a prestação de serviços à comunidade.”